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AS LUZES DE DORA

Por Fernando Antônio N. da Silva

Serginat/Aracaju-SE

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Neste 21 de fevereiro, ela estaria completando 107 anos, de muitas histórias, polêmicas, experiências, escândalos, resistência, e, acima de tudo, ousadia. “Um ícone da audácia, coragem, crítica à hipocrisia social”, segundo Nunes (2019).

 

Dora Vivacqua, mais conhecida como Luz del Fuego, foi uma mulher “fora da curva”. Para compreendermos melhor esta expressão, precisamos fazer uma breve contextualização da época e da sociedade na qual viveu Luz.

 

Nascida em Cachoreira de Itapemimrin, no ano de 1917, Dora se criou em uma sociedade na qual as mulheres, em sua maioria, estavam submetidas aos desejos dos homens (belas, recatadas e do lar). O pudor era um sentimento profundamente introjetado no feminino, atitude muito valorizada pelos homens nas mulheres que, não raramente, tinham como projeto de vida encontrar um bom casamento. Segundo Mary del Priori (s/d) “na prática, a moralidade favorecia as experiências sexuais masculinas enquanto procurava restringir a sexualidade feminina aos parâmetros do casamento convencional.”


Vivia-se uma dupla moral, de um lado a repressão social da expressão da sexualidade, especialmente sobre as mulheres, que sofriam forte controle sobre seus corpos, em especial no que dizia respeito à nudez e ao sexo, tidos como indecentes e pecaminosos. Por outro lado, a tolerância de uma “moral masculina” que naturalizava experiências extraconjugais dos homens como uma “necessidade” destes.  Segundo Schuma

Schumaher, citada por Nunes (2019), “Luz del Fuego viveu quando as mulheres não eram ainda cidadãs”, sem direitos políticos e sem voz, uma sociedade na qual os homens eram praticamente os únicos protagonistas.

 

Dora se recusou a aceitar os papéis que eram impostos às mulheres, de esposa e mãe. Assumiu uma moral própria, na qual o corpo, a nudez, a sexualidade eram experienciadas sem culpa, um escândalo para a época. Indo além, tentou criar um partido político, defendeu o aborto, divórcio, era também preocupada com questões ambientais e sociais (“mais pão e menos roupa”). De acordo com Sombini (2023), “São muitas as possibilidades para se referir a ela - em comum, todas parecem estar à frente do tempo em que Luz del Fuego viveu”.

 

Sem dúvida, o modo como lidava com a nudez, numa época fortemente marcada pelo pudor, notadamente o feminino, fez de Luz o centro de inúmeras polêmicas que mobilizavam a sociedade. Criticada, odiada, invejada, objeto do desejo de inúmeros homens (e mulheres), fazia do seu corpo nu o instrumento político para questionar a hipocrisia social, em especial da alta sociedade, da qual era originária.

 

A nudez para Luz não era meramente um recurso de resistência à moral vigente, mas estava entranhada no seu ser. Segundo Enchioglo (2022), “desde a infância, já se mostrava uma mulher diferente – algo que costumava assustar as pessoas.” Não gostava de usar sutiã, e antes da invenção do biquíni, frequentava a praia usando duas peças de roupa, a calcinha e um top feito de lenços. (Nunes, 2019). Considerada a primeira artista, no Brasil, a se apresentar nua, sendo presa diversas vezes acusada de atentar contra a moral e os bons costumes.(Nunes, 2019). Gostava de estar nua, era como se sentia bem, para tanto fundou a Ilha do Sol, onde o uso de roupas era proibido. Sua nudez não era uma simples performance, era um modo de viver.

 

Luz adotou o naturismo como sua bandeira política. Considerada a fundadora do Naturismo no Brasil, historicamente talvez seja a única mulher do mundo a ter fundado o Movimento Naturista em seu país, um ato de extrema ousadia, tendo em vista que, desde os seus primórdios, a liderança do Movimento no mundo coube aos homens. Ocupar tal posição, implicava em um duplo movimento para Dora, pois ao mesmo tempo em que ao se despir ia de encontro aos desejos masculinos, mas não sem tirar vantagens disso; por outro lado, incomodava-os imensamente, tendo em vista que com tal atitude, desafiava-os, na medida em que não se submetia ao lugar que lhe era reservado na sociedade enquanto mulher. E também, porque corria o risco de influenciar outras mulheres (de família), que deviam permanecer castas e obedientes.

Profundamente identificada com o Movimento Naturista, visualizou a sua politização através da criação de um partido político (pretendia se candidatar a deputada federal), sendo impedida pelo irmão, que sendo senador, sentia-se constrangido por sua irmã defender uma bandeira tão polêmica e indecente para a época. Demonstrava, assim, uma percepção aguçada a respeito da prática naturista, que não se limitava a meramente tirar a roupa, mas no questionamento da moral social, questionava, também, a estrutura da sociedade. Percepção muito pouco exercitada pelo Naturismo contemporâneo.

 

 “A nudez, que um dia foi vista como sintoma de uma mente transtornada, depois uma profissão, tornava-se um estilo de vida – e um programa político. No fim da década de 1940 Luz del Fuego se dedica intensamente à teorização do movimento naturista brasileiro.“ (Nunes, 2019)

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Foi uma mulher muito potente, inteligente, corajosa, não por tirar a roupa, mas por desafiar o seu tempo. Primeiramente, por transitar em espaços tidos como exclusivamente masculinos; segundo, por exercitar uma liberdade com o corpo, proibida às mulheres da época; por fim, por levantar o questionamento de problemáticas sociais, que vieram a ser intensamente debatidas somente ao final do século XX. Não se deixou intimidar (internações, prisões, criticas), mas tentou viver de acordo com o que acreditava, que a liberdade não pode ser restrita a apenas uma parcela da sociedade (aos homens e aos ricos), mas deve ser experienciada por todas e todos.

 

Que venham mais Doras e Luzes, o Naturismo precisa de mais Doras e Luzes, o Brasil precisa de mais Doras e Luzes....

 

Aracaju, fevereiro de 2024.

 

Referências:

ENCHIOGLO, LauraPioneira do naturismo no Brasil, Luz del Fuego desafiou a sociedade da década de 1940. https://www.eql.com.br/eql-news/2022/02/luz-del-fuego-naturismo-brasileiro/#:~:text=Ela%20foi%20a%20pioneira%20do,Cachoeiro%20de%20Itapemirim%2C%20Esp%C3%ADrito%20Santo. Acesso em 09/02/24.

 

HADDAD, Naief. Os 50 anos da morte de Luz del Fuego, a vedete vanguardista. 2017. https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/03/1867438-os-50-anos-da-morte-de-luz-del-fuego-a-vedete-vanguardista.shtml. Acesso em 09/02/24

 

NUNES, Dimalice. “Luz del Fuego: contracultura e tragédia”. . (2019). https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-quem-foi-luz-del-fuego.phtml. Acesso em 25/02/20.

 

PRIORI, Mary del. Os Anos Dourados: pudor e hipocrisia. Revista História Hoje. (s/d).

https://historiahoje.com/os-anos-dourados-pudor-e-hipocrisia/ . Acesso em 24.01.21

 

SOMBINI, Eduardo. (2023). Luz del Fuego, queer e protofeminista, é bússola para superar intolerância, diz escritor. https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/03/luz-del-fuego-queer-e-protofeminista-e-bussola-para-superar-intolerancia-diz-escritor.shtml.  Acesso em 02.02.24.

(enviado em 21/02/24 por Fernando Silva, via WhatsApp)

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